Entrevista foi realizada pelo podcast La Zancada

O árbitro Ariel Milanesio (ARG), que arbitrou as Olímpiadas do Rio e de Tóquio, concedeu uma entrevista ao podcast espanhol La Zancada em que abordou, entre outros assuntos, os últimos Jogos e o novo código de pontuação.
Abaixo, seguem algumas de suas respostas traduzidas para o Português. Caso haja alguma dúvida, sobre o texto, sugiro que vocês ouçam o podcast para entender o que ele fala, reparar a entonação e tirar suas próprias conclusões, ok?
O podcast completo pode ser acessado aqui.
– Sobre os Jogos Olímpicos de Tóquio de uma maneira geral:
Foi meu segundo Jogos Olímpicos. Estive no Rio, em 2016. Em 2018, também estive nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Buenos Aires. É impossível não comparar esse (Jogos Olímpicos) com o anterior. Esse foi um pouco híbrido. Ou seja, não se sentia adrenalina. Não havia diferença entre o treinamento de pódio e a competição em si. Apenas nas finais, havia um pouco mais de ambiente. Uma arena linda, gigante, vazia, completamente vazia. Quanto ao nível das ginastas, claro, um nível excelente. Mas, para mim, faltou adrenalina, me faltou emoção, me faltou alegria de poder disfrutar os Jogos. Pensar que não podíamos sair do hotel. Éramos controlados todo tempo por um aplicativo. Ir ao supermercado parecia um ato de delinquência. Não foi um Jogos Olímpicos em si interessante. Gostaria de poder falar bem. Tirando o nível da competição e o fato de compartilhar a ginástica, não tenho como falar de muitas coisas positivas.
– Sobre se os Jogos de Tóquio foram os mais justos de todos:
Eu só participei de dois. Creio que foi super justo. Mas se pensar nos últimos Jogos Olímpicos, creio que, por exemplo, no Rio, o pódio individual não havia nenhuma dúvida. Sei que muita gente, sobretudo na Espanha, é muito fã da Ucrânia e gostava muito de Rizatdinova. Mas, nesse momento, Rizatdinova não tinha o nível de dificuldade que tinha, por exemplo, Margarita (Mamun) ou o nível artístico que Margarita e Yana Kudryavtseva tinham. Creio que foi um pódio indiscutível. Creio que um pódio indiscutível foi o de Londres. O de Pequim, não havia dúvida. Kanaeva, com sua surpresa. Claro, o público era fanático por Bessonova. Lembro que Bessonova perde um equilíbrio de um ponto. E essas coisas os fãs não olham em detalhes. Para eles, o que importa é a beleza e tudo isso, mas é preciso aplicar o código de pontuação. E, quando se aplica o código de pontuação, saem os resultados que têm que sair. Nos conjuntos, não sei. No Rio, arbitrei execução. Na execução, claramente, dava notas mais altas a outros conjuntos do que à Rússia. Mas, ao final, a Rússia ganhou por centésimos. Ou seja, às vezes, são centésimos que definem um primeiro e segundo lugar. Às vezes, são centésimos. Às vezes, é uma apreciação. Você não quer fazer mal a ninguém. Somente quer tratar de fazer o melhor trabalho. Temos muita pressão e a responsabilidade de distribuir as medalhas de maneira justa. Até hoje, sigo recebendo mensagens sobre o que aconteceu em Tóquio. Acho muito ingrato. Além do mais, não fui o único que arbitrei. Se Linoy fez cinco rotações em relevé e as outras não fizeram, sinto muito. Tenho que contar o que vejo e, se tem um valor, aplico o valor que tem. Não posso fazer outra coisa.
– Sobre o respeito ao trabalho dos árbitros e querer o melhor para as ginastas:
Claro. Nós vibramos com as ginastas. Um dos momentos mais emocionantes da minha carreira foi quando tinha ao meu lado a árbitra de Portugal, que, com ela, tenho uma amizade. Quando começa a quarta rotação e era a rotação de fita. Yana tinha perdido as maças. Ficamos todos como que num “blackout”. Não podíamos crer no que havia acontecido. E eu tinha que arbitrar execução e, naquele momento, fiquei paralisado. Não podia descontar até que, obviamente, dei a nota correta. Depois que termina Yana, a primeira que passa com a fita é Margarita Mamun, e é uma série espetacular. Nos olhamos, tinha ao meu lado Lurdes (Maria de Lurdes Avila Caravalho), minha amiga de Portugal, nos olhamos e as lágrimas caiam porque sabíamos que, com as notas que íamos dar, seria a medalha de ouro olímpica. Temos a pressão de estar arbitrando, de dar o melhor resultado, e saber que, naquele momento, com aquela série, que era realmente merecida, a ginasta vai ganhar a medalha de ouro olímpica, que, por quatro anos, será a rainha dos Jogos Olímpicos, é como todo um ciclo que se fecha.
– Sobre pressões por parte de países e treinadores:
Sim, a pressão é notada. Alguns países fazem de maneira mais forte que outros, mais ofensivos que outros. Todos necessitam de resultados. Todos dependem de resultados. Uma medalha outorga dinheiro e ajuda economicamente todos os países, mas, no final, são as ginastas decidem, com seu rendimento no tapete, quem ganha e quem não ganha. A tarefa dos árbitros é administrar, da melhor maneira possível, o que está realizando a ginasta, aplicando as regras. Essa é a tarefa de um árbitro.
– Sobre o novo código de pontuação, o que a FIG quer transmitir com esse novo código:
Por um lado, quando o código traz a possibilidade de, por exemplo, realizar dificuldades combinadas, que são limitadas, o que me parece muito bom, é uma forma de que as ginastas possam ter um pouco mais de originalidade nos elementos corporais. Por outro lado, ao atribuir 10 pontos para o nível artístico, espero que os treinadores deem mais importância a esse respeito para que se veja um pouco mais (de artístico) e que se valorize. Creio que a quantidade de ADs ilimitadas que vínhamos tendo no ciclo olímpico anterior fez perder totalmente a essência do que era a ginástica. Era somente uma máquina de somar pontos. Para as ginastas do nível sênior, creio que vai ser muito difícil colocar esses cinco riscos porque a ideia é colocar cinco. Se te dizem que o máximo são cinco, vai querer colocar cinco. Se te dizem que o máximo são 20 ADs, vai querer colocar 20 ADs. É muito difícil colocar tudo isso sem perder a essência, tem que colocar os passos de dança. É muito difícil. Com as ginastas juvenis, creio que é mais fácil jogar com a parte artística. Com as ginastas sênior, vai ser mais complicado e vai requerer um tempo para desenvolver o código. Eu tenho a esperança de que se veja um pouco de mudança na parte artística. A introdução dessas ondas completas, em vez de parciais. Creio que isso pode melhorar e são coisas de que o público gosta. Serão valorizados, por exemplo, os efeitos dos aparelhos com a música. São coisas importantes, um momento “UAU”, que não tem que ser algo super espetacular ou super especial, mas um momento inesperado quando se diz “ah, que bonito isso”, algo que fica na memória. Lembro, por exemplo, do rebote das maças de Kudryavtseva. Obviamente que, quando assiste em competições umas 20 vezes, deixa de ser uma surpresa, mas é um momento que se espera. É disso que se trata. Que as ginastas tratem de fazer coisas interessantes para o artístico. Creio que isso são as coisas que a FIG demonstrou com respeito a evolução da ginástica. Além disso, simplificar um pouco o código o sentido de tirar a subjetividade. Por exemplo, a definição das ADs para que não seja como: eu penso que é uma AD e você, não. Então, introduzindo tabelas fica mais fácil dizer se é sim ou não.